Número: 4/2020
Responsável pela geração do diário: Girlandia Maria Lopes
Município de Alcântaras - Lei - ESTABELECE O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE VÍTIMA OU TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA OU EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE
LEI N° 758 de 10 DE MARÇO de 2020.
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ESTABELECE O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE VÍTIMA OU TESTEMUNHA DE VIOLÊNCIA OU EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE NO MUNICÍPIO DE ALCÂNTARAS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
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O PREFEITO MUNICIPAL DE ALCÂNTARAS, ESTADO DO CEARÁ, no uso de suas atribuídas legais e constitucionais, etc.,
Faço saber que a Câmara Municipal de Alcântaras aprovou e eu sanciono e promulgo a seguinte Lei:
Art. 1º. Fica estabelecido no âmbito do Município de Alcântaras o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência ou em situação de vulnerabilidade, no que tange à escuta especializada e ao depoimento pessoal, bem como cria mecanismos para prevenir e coibir a violência, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, da Convenção Nacional dos Direitos da Criança e seus protocolos adicionais, da Resolução nº 20/2005, do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas e de outros diplomas internacionais, e estabelece medidas de assistência e proteção à criança e ao adolescente em situação de violência ou de vulnerabilidade.
Art. 2º. O sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência ou em situação de vulnerabilidade no Município de Alcântaras será regido pelos seguintes princípios:
I - a criança e o adolescente são sujeitos de direito e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e gozam de proteção integral, conforme o disposto no art. 1º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente;
II - a criança e o adolescente devem receber proteção integral quando os seus direitos forem violados ou ameaçados;
III - a criança e o adolescente têm o direito de ter seus melhores interesses avaliados e considerados nas ações ou nas decisões que lhe dizem respeito, resguardada a sua integridade física e psicológica;
IV - em relação às medidas adotadas pelo Poder Público, a criança e o adolescente têm preferência:
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a) em receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
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b) em receber atendimento em serviços públicos ou de relevância pública;
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c) na formulação e na execução das políticas sociais públicas; e
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d) na destinação privilegiada de recursos públicos para a proteção de seus direitos;
V - a criança e o adolescente devem receber intervenção precoce, mínima e urgente das autoridades competentes tão logo a situação de perigo seja conhecida;
VI - a criança e o adolescente têm assegurado o direito de exprimir suas opiniões livremente nos assuntos que lhes digam respeito, inclusive nos procedimentos administrativos e jurídicos, consideradas a sua idade e a sua maturidade, garantido o direito de permanecer em silêncio;
VII - a criança e o adolescente têm o direito de não serem discriminados em função de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou regional, étnica ou social, posição econômica, deficiência, nascimento ou outra condição, de seus pais ou de seus responsáveis legais;
VIII - a criança e o adolescente devem ter sua dignidade individual, suas necessidades, seus interesses e sua privacidade respeitados e protegidos, incluída a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral e a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, das ideias, das crenças, dos espaços e dos objetos pessoais; e
IX - a criança e o adolescente têm direito de serem consultados acerca de sua preferência em serem atendido por profissional do mesmo gênero.
Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência:
I - violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico;
II - violência psicológica:
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a) qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática (bullying) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional;
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b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este;
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c) qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua família ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que cometido, particularmente quando isto a torna testemunha;
III - violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda:
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a) abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro;
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b) exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico;
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c) tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação;
IV - violência institucional, entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização.
Art.4º Para os efeitos desta Lei, a criança e o adolescente serão ouvidos sobre a situação de violência por meio de escuta especializada e depoimento especial, realizadas pelo Conselho Tutelar, ou qualquer órgão que trate de proteção social especial.
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1º Os órgãos de saúde, assistência social, educação, segurança pública e justiça adotarão os procedimentos necessários por ocasião da revelação espontânea da violência.
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2º Na hipótese de revelação espontânea da violência, a criança e o adolescente serão chamados a confirmar os fatos na forma especificada neste artigo, salvo em caso de intervenções de saúde.
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Art. 5º Para fins disposto nesta lei, considera-se
I - violência institucional - violência praticada por agente público no desempenho de função pública, em instituição de qualquer natureza, por meio de atos comissivos ou omissivos que prejudiquem o atendimento à criança ou ao adolescente vítima ou testemunha de violência ou em situação de vulnerabilidade;
II - revitimização - discurso ou prática institucional que submeta crianças e adolescentes a procedimentos desnecessários, repetitivos, invasivos, que levem as vítimas ou testemunhas a reviver a situação de violência ou outras situações que gerem sofrimento, estigmatização ou exposição de sua imagem;
III - acolhimento ou acolhida - posicionamento ético do profissional, adotado durante o processo de atendimento da criança, do adolescente e de suas famílias, com o objetivo de identificar as necessidades apresentadas por eles, de maneira a demonstrar cuidado, responsabilização e resolutividade no atendimento; e
IV - serviço de acolhimento no âmbito do Sistema Único de Assistência Social - SUAS - serviço realizado em tipos de equipamentos e modalidades diferentes, destinados às famílias ou aos indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir sua proteção integral.
Art.6º Os órgãos, os serviços, os programas e os equipamentos públicos existentes no município de Alcântaras, trabalharão de forma integrada e coordenada, garantidos os cuidados necessários e a proteção das crianças e dos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência ou em situação de vulnerabilidade, os quais deverão, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de publicação desta Lei:
I - instituir, preferencialmente no âmbito dos conselhos de direitos das crianças e dos adolescentes, o comitê de gestão colegiada da rede de cuidado e de proteção social das crianças e dos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência ou em situação de vulnerabilidade, com a finalidade de articular, mobilizar, planejar, acompanhar e avaliar as ações da rede intersetorial, além de colaborar para a definição dos fluxos de atendimento e o aprimoramento da integração do referido comitê;
II - definir o fluxo de atendimento, observados os seguintes requisitos:
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a) os atendimentos à criança ou ao adolescente serão feitos de maneira articulada;
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b) a superposição de tarefas será evitada;
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c) a cooperação entre os órgãos, os serviços, os programas e os equipamentos públicos será priorizada;
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d) os mecanismos de compartilhamento das informações serão estabelecidos;
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e) o papel de cada instância ou serviço e o profissional de referência que o supervisionará será definido; e
III - criar grupos intersetoriais locais para discussão, acompanhamento e encaminhamento de casos de suspeita ou de confirmação de violência contra crianças e adolescentes.
Art. 7º O atendimento intersetorial poderá conter os seguintes procedimentos:
I - acolhimento ou acolhida;
II - escuta especializada nos órgãos do sistema de proteção;
III - atendimento da rede de saúde e da rede de assistência social;
IV - comunicação ao Conselho Tutelar, bem como a realização da escuta especializada pelo Conselho Tutelar
V - comunicação à autoridade policial;
VI - comunicação ao Ministério Público;
VII - depoimento especial perante autoridade policial ou judiciária; e,
VIII - aplicação de medida de proteção pelo Conselho Tutelar, caso necessário.
Parágrafo Único: Os serviços deverão compartilhar entre si, de forma integrada, as informações coletadas junto às vítimas, aos membros da família e a outros sujeitos de sua rede afetiva, por meio de relatórios, em conformidade com o fluxo estabelecido, preservado o sigilo das informações.
Art. 8º A atenção à saúde das crianças e dos adolescentes em situação de violência será realizada por equipe multiprofissional do Sistema Único de Saúde - SUS, nos diversos níveis de atenção, englobado o acolhimento, o atendimento, o tratamento especializado, a notificação e o seguimento da rede.
Parágrafo único. Nos casos de violência sexual, o atendimento deverá incluir exames, medidas profiláticas contra infecções sexualmente transmissíveis, anticoncepção de emergência, orientações, quando houver necessidade, além da coleta, da identificação, da descrição e da guarda de vestígios.
Art. 9º. Na hipótese de o profissional da educação identificar ou a criança ou adolescente revelar atos de violência, inclusive no ambiente escolar, ele deverá:
I - acolher a criança ou o adolescente;
II - informar à criança ou ao adolescente, ou ao responsável ou à pessoa de referência, sobre direitos, procedimentos de comunicação à autoridade policial e ao conselho tutelar;
III - encaminhar a criança ou o adolescente, quando couber, para atendimento emergencial em órgão do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência ou em situação de vulnerabilidade; e
IV - comunicar o Conselho Tutelar.
Parágrafo único: As redes de ensino deverão contribuir para o enfrentamento das vulnerabilidades que possam comprometer o pleno desenvolvimento escolar de crianças e adolescentes por meio da implementação de programas de prevenção à violência.
Art. 10º O acompanhamento especializado de crianças e adolescentes em situação de violência e de suas famílias será realizado preferencialmente no Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS, por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos, em articulação com os demais serviços, programas e projetos do SUAS.
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1º Onde não houver CREAS, a criança ou o adolescente será encaminhado ao profissional de referência da proteção social especial e ou Conselho Tutelar
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2º As crianças e os adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou cujos responsáveis se encontrem temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção, podem acessar os serviços de acolhimento de modo excepcional e provisório, hipótese em que os profissionais deverão observar as normas e as orientações referentes aos processos de escuta qualificada quando se configurarem situações de violência
Art. 11. Recebida a comunicação de que trata o art. 13 da Lei Federal nº 13.431, de 2017, o Conselho Tutelar deverá efetuar o registro do atendimento realizado, do qual deverão constar as informações coletadas com o familiar ou o acompanhante da criança ou do adolescente e aquelas necessárias à aplicação da medida de proteção da criança ou do adolescente.
Art. 12. Os profissionais envolvidos no sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência primarão pela não revitimização da criança ou adolescente e darão preferência à abordagem de questionamentos mínimos e estritamente necessários ao atendimento.
Parágrafo único. Poderá ser coletada informação com outros profissionais do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência ou em situação de vulnerabilidade, além de familiar ou acompanhante da criança ou do adolescente.
Art. 13. Caso a violência contra a criança ou o adolescente ocorra em programa de acolhimento institucional ou familiar, em unidade de internação ou semiliberdade do sistema socioeducativo, o fato será imediatamente avaliado pela equipe multiprofissional, considerado o melhor interesse da criança ou do adolescente.
Art. 14. A escuta especializada é o procedimento realizado pelos órgãos da rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência social, da segurança pública e dos direitos humanos, com o objetivo de assegurar o acompanhamento da criança ou adolescente vítima ou da testemunha de violência ou em situação de vulnerabilidade, para a superação das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente necessário para o cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de cuidados.
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1º A criança ou o adolescente deve ser informado em linguagem compatível com o seu desenvolvimento acerca dos procedimentos formais pelos quais terá que passar e sobre a existência de serviços específicos da rede de proteção, de acordo com as demandas de cada situação.
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2º A busca de informações para o acompanhamento da criança e do adolescente deverá ser priorizada com os profissionais envolvidos no atendimento, com seus familiares ou acompanhantes.
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3º O profissional envolvido no atendimento primará pela liberdade de expressão da criança ou do adolescente e sua família e evitará questionamentos que fujam aos objetivos da escuta especializada.
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4º A escuta especializada não tem o escopo de produzir prova para o processo de investigação e de responsabilização, e fica limitada estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade de proteção social e de provimento de cuidados.
Art. 15. Os órgãos, os serviços, os programas e os equipamentos da rede de proteção adotarão procedimentos de atendimento condizentes com os princípios estabelecidos no art. 2º.
Art. 16. O depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência ou em situação de vulnerabilidade perante autoridade policial ou judiciária com a finalidade de produção de provas.
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1º O depoimento especial deverá primar pela não revitimização e pelos limites etários e psicológicos de desenvolvimento da criança ou do adolescente.
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2º A autoridade policial ou judiciária deverá avaliar se é indispensável a oitiva da criança ou do adolescente, consideradas as demais provas existentes, de forma a preservar sua saúde física e mental e seu desenvolvimento moral, intelectual e social.
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3º A criança ou o adolescente serão respeitados em sua iniciativa de não falar sobre a violência sofrida.
Art. 17. O depoimento especial deverá ser gravado com equipamento que assegure a qualidade audiovisual.
Parágrafo único. A sala de depoimento especial será reservada, silenciosa, com decoração acolhedora e simples, para evitar distrações.
Art. 18. A sala de depoimento especial poderá ter sala de observação ou equipamento tecnológico destinado ao acompanhamento e à contribuição de outros profissionais da área da segurança pública e do sistema de justiça.
Art. 19. O depoimento especial será regido por protocolo de oitiva.
Art. 20. O depoimento especial deverá ser conduzido por autoridades capacitadas, e realizado em ambiente adequado ao desenvolvimento da criança ou do adolescente.
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1º A condução do depoimento especial observará o seguinte:
I - os repasses de informações ou os questionamentos que possam induzir o relato da criança ou do adolescente deverão ser evitados em qualquer fase da oitiva;
II - os questionamentos que atentem contra a dignidade da criança ou do adolescente ou, ainda, que possam ser considerados violência institucional deverão ser evitados;
III - o profissional responsável conduzirá livremente a oitiva sem interrupções, garantida a sua autonomia profissional e respeitados os códigos de ética e as normas profissionais;
IV - as perguntas demandadas pelos componentes da sala de observação serão realizadas após a conclusão da oitiva;
V - as questões provenientes da sala de observação poderão ser adaptadas à linguagem da criança ou do adolescente e ao nível de seu desenvolvimento cognitivo e emocional, de acordo com o seu interesse superior; e
VI - durante a oitiva, deverão ser respeitadas as pausas prolongadas, os silêncios e os tempos de que a criança ou o adolescente necessitarem.
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2º A oitiva deverá ser registrada na sua íntegra desde o começo.
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3º Em casos de ocorrência de problemas técnicos impeditivos ou de bloqueios emocionais que impeçam a conclusão da oitiva, ela deverá ser reagendada, respeitadas as particularidades da criança ou do adolescente.
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4º O depoimento especial tramitará em segredo de justiça.
Art. 21. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.
Prefeitura Municipal de Alcântara / CE, em 10 de março de 2020
Joaquim Freire Carvalho
Prefeito Municipal de Alcântaras
Ana Paula Guilherme Alcântaras
Secretária do Trabalho e Desenvolvimento Social